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sábado, 1 de dezembro de 2007

Vontade de Pedra

E a montanha se levantou. Esticou suas pernas atrofiadas pelos séculos de repouso e começou a caminhar. A fauna que habitava nela pensou enlouquecer e se suicidou, a flora invejou a coragem da casa em abandonar as raízes. Ela suava rochedos no esforço de ir com delicadeza para não machucar muito o mundo com suas pisadas. O bater dos dobramentos e o esfregar de suas chinelas determinavam novos caminhos para rios e novas moradias para cânions. A neve rolava casposa por sua cabeça refrescando o cansaço da ousadia. Os vales se acompridavam esperando que ali ela parasse; cordilheiras a convidavam para festejar e à estar um pouco mais com elas; algumas a revelia, sorrindo preconceitos; o mar abria os braços para acolher a nova visitante; o mundo físico e político era redesenhado pela caminhante. Os homens fingiam não ver. Difícil aceitar uma montanha, assim, caminhando livre por onde queria. Ela mesma não queria muito, mas a vontade de outro a impelia. E ela ia andando e andando. Rangia seus pensamentos empoeirados e admirava a paisagem que pela primeira vez mudava. O coração de pedra agitado, mais quente que nunca lembrava os tempos de vulcão. Os pássaros atropelados como mosquitos em uma rodovia. Muitas cidades deixavam de existir. Meio triste e pesarosa pelos estragos a montanha titubeava se parar, mas logo lembrava do motivo de ter se levantado e ia e ia. E foi e chegou. Acomodou-se felina na planície onde ficaria para sempre, ou até um novo bom motivo para se mudar. Encaixou suas escarpas retumbando um suspiro satisfeito. E antes dela voltar ao seu silêncio de acidente geográfico, meneou o cume para os dois olhos que a contemplavam com fé.

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