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terça-feira, 15 de março de 2011

No meu tempo...

Você acha morrer um castigo? Até parece. Castigo é viver pra sempre. A imortalidade é um peso, meu caro, desses que a gente só entende carregando. Eu sei que pode parecer que estou cuspindo para o alto, mas saiba que depois de um tempo a gente tem certeza que cuspindo ou não a cabeça sempre acaba melada. Eu sei, pode se tentar ser um tosco durante a imortalidade e não parar pra pensar nas coisas, se entregar pra loucura e pra fruição. Não dá, pode parecer que sim, mas não dá. Cem, duzentos, quinhentos e trinta e cinco anos sendo um babaca até rola, mas mil é impossível! Você começa a ter tremores, sabe? A olhar as cores reais das coisas e perceber que o tonssortom se repete sempre, só mudando o espectro e que as coisas são tão estúpidas que a melhor dádiva da vida é a morte, desfazer-se em bolinhas de terra e cupim. Pois o tempo que temos como mortal é a medida certa, no ponto, mais um pouquinho e estraga. É como a quantidade de ervilhas em uma empada, até pra quem gosta, tem limite. Tudo bem, conheço um cara que conseguiu viver mais de mil anos como um babaca, mas no ano mil cento e vinte e dois ele surtou, hoje vive lambendo selos. E ninguém nem usa mais selos. A gente aprende, nem que por osmose, a gente acaba entendendo, mesmo sem parar pra sentar. É como se a vida fosse o ar que invade nosso ânimo e não dá, parece que dentro de você ele se torna água e você logo está se afogando em sentido, ou a falta dele que, com o tempo, você vê que é a mesma coisa. Os significados se perdem todos, porque não há mais nenhum valor na dicotomia. O que é bom por cima, hoje, amanhã será por baixo. Até voltar a ser por cima. E assim, ciclicamente, pra próxima geração acreditar que tudo é novidade, que estamos passando por mudanças. Que a última tragédia foi a mais terrível, que nunca choveu tanto, se matou tanto, nunca as pessoas foram tão fúteis, ou má-educadas. E você, ali, vendo o quadro como um todo, tentando mostrar aos coitados que existe uma linha que une tudo, mais comprida, mais importante. E eles falam de quebra, de ruptura. Então você entende que nem as palavras adiantam mais, que as metáforas já são o único modo de dizer, um modo vão, vale lembrar. E você fica com o básico necessário pra pedir um copo de café na esquina, curtir o queimado da manteiga no pão da chapa e comendo o pão transformado em borboleta no seu peito, você voa e percebe que a maldição não é a vida eterna é a fome eterna de sua memória, que sempre come mais e mais, coisas e pessoas e, obesa que é, não queima a gordura, não alivia o peso. O peso que você carrega. E tem gente que acha que a imortalidade é uma benção, que dedica sua vida à buscá-la e morre, sem saber que ela é um pé com meia afundando na lama oleosa.

5 comentários:

Anônimo disse...

Meu maior medo na imortalidade é enjôar de pizza.

Ricardo Delfin

Bruno Cobbi disse...

E que ninguem se faça escravo dos desejos. Desejos são objetivos e não combustível.

Kizzy Ysatis disse...

Que nada, anjo.
Depois de um milênio, você se institucionaliza na estrutura infinita e cúbica da eternidade.

Renato Brandão disse...

Que nada.
Depois de um milênio, o que vier é lucro hehehehehe
Ou pede uma pizza.
Isso é, se você já não tiver enjoado...

Abraço

www.temalgumacoisaerrada.blogspot.com

Tiago Bode disse...

menos um, menos um...
é assim que conto os dias hoje. e não é pessimismo não, é que estou cansado de pizza, de ser um babaca, de discutir o sexo do anjos em butecos, calçadas, esquinas, como se isso fosse o cume da "inexistência", ou o elixir para a imortalidade...
(adoro Ocampo... tem sempre algo além)