Pintei o cabelo de loiro. Claro que houve bullying, mas não ligo. Eu era o gordinho, de óculos, cabelo pro lado e voz fina na escola. Acha mesmo que ainda existe algo que me atinge? Algo dito que fira meus sentimentos? Muita terapia e prozacs depois, meus caros... Eu poderia ser juiz de futebol. Mas das brincadeiras, tem uma que me preocupa. Não de agora, há algum tempo, acho que desde que comecei a praticar análise do discurso, a entender a importância ideológica das palavras. “Coisa de gay”, substitua “gay” por qualquer um de seus derivados. Claro que não vem só, mas o “coisa de preto”, “coisa de baiano”, etc, têm perdido força, por conta, talvez, de uma postura júris, ou seja, o velho medo de um processo nas costas. Contudo, em plena onda de lutas contra a intolerância, o termo “gay” ainda funciona como adjetivo pejorativo, usado por homos e heteros, inclusive. Se você não joga bola direito é “gay”, se não sabe brigar é “bicha”, se gosta de uma cor mais rosada é “viado”, se não tem caráter “dá o cu”, ou se é sensível demais é “uma bichona”. A sexualidade das pessoas é colocada, paradoxalmente, o tempo todo, na mídia e fora dela, em xeque. Como se realmente importasse se fulano dá ou recebe. Digo paradoxalmente, porque vivemos ouvindo, ao mesmo tempo, “que não importa a sua opção sexual, o importante é que somos todos humanos”. Somos todos humanos, mas a banda xis é ou não gay? Fulano sai ou não do armário? Aquele cabelo é coisa de “viado” ou não é? Como se ser “viado” fosse ruim, degradante. Uma pessoa me disse “meio gay” seu cabelo, olha: se não está por completo, ainda não está bom. Eu tento entender, tento entender porque ninguém diz nada, tento entender porque ninguém faz um esforço para mudar isso sem precisar de uma lei rígida como a que tem em favor dos negros. Porque simplesmente não pensam melhor nas palavras que usam e tentam, assim, mudar o discurso que envolve a ideologia depositada naquela palavra. Mudando como usamos a palavra, com qual significado, muda também nosso modo de nos relacionar com ela e com o que ela representa. Não ligo para brincadeira, piadas, acho o humor importante, o uso consciente dos estereótipos, é na pseudoingenuidade que reside meu temor. Na crença de que não faz mal, de que não foi por mal. De que foi só brincadeira, só um palavrão, um soco, uma morte. Nem meu avô eu relevo, a mudança tem que começar e que se dane tradições, medos, ou falamos a verdade e paramos com o bom mocismo da falsa aceitação, ou começamos de verdade a transformar o pensamento. Risinhos tortos enquanto os punhos cerram, não. “Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra”, disse Bob para tratar sobre as diferenças raciais, inclua aí diferenças religiosas, de gênero, de gosto, de sexualidade e teremos guerra eternamente. Dirão se eu quero que a luta pela igualdade pare, de forma alguma, eu quero que ela não exista, como fez Gandhi, se um dos lados abre mão da luta o outro lembra que é humano, que estamos no mesmo fardo. Não temos que discutir se homens podem se beijar no metrô, porque não deve haver diferença entre dois homens se beijando e um casal hetero. Não deve haver difrença entre um gordinho que desfila e um sarado. Não deve haver imposição sobre como ser, como viver, como comer, como andar, como trepar. Anarquia ética, intelectual, moral. A sua liberdade termina onde começa a minha e se mescla à minha. Não deveria haver parada do orgulho gay, nem do orgulho hetero, nem do orgulho negro, ou dos gordos, pode parecer clichê, mas o orgulho por nossa humanidade demasiadamente imperfeita dentro de suas perfeições deveria nos bastar, a busca pelo conhecimento das coisas que realmente importam deveria ser nossa base de formação. Essa discussão sobre o sexo dos anjos e dos homens é ainda o resquício de uma formação religiosamente intolerante e limitadora que, ao menos no Brasil, há muito não nos sufoca, não nos impede de dizer, mas impõe certa aura sobre alguns assuntos... Aura pouco questionada. Questione. Questione seus valores e a falta deles. Abra mão de falar da vida do outro, abra mão de discutir quem comeu quem, abra mão de lamber as migalhas da vida, ninguém devería se contentar com elas, metafóricas ou não; comece a procurar os grandes banquetes da existência, a desafiar sua mente para ir além da mesquinhez. Utopia? Utopia é um conceito, nós determinamos o que cabe dentro dele. Ação e inação, assim o mundo terá uma chance de não sucumbir a futuro cyberpunk qualquer. Acordem, sejam gays, heteros, bis, pãs, eu não quero saber, e espero que não queiram também...
5 comentários:
Gosto mais do seu cabelo agora. Bjo
Gostei muito do que vi. Volto com mais tempo. Um grande abraço, meu compadre.
Fico cada dia mais e mais orgulhoso de você. Esse manifesto tem de ir mais longe.
"comece a procurar os grandes banquetes da existência, a desafiar sua mente para ir além da mesquinhez" é um chamado que devemos escutar, engloba todos os assuntos. Parabéns pela coragem, Claudio.
Daniel
Minha opinião:
Por trás deste discurso é que se justifica a "Política-Correta" de eliminar os termo "negro" em Mark Twain... ou a ideia de "consertar" Monteiro Lobato pras criancinhas... ou (BIZAAAARRO) a alteração do nome do livro de Agatha Christie de "Caso dos Dez Negrinhos" para "E não restou ninguém" (Mas se as estátuas fossem de brancos, o título jamais seria os "Dez Branquinhos"...)
A gente pede liberdade e/ou anarquia e usam este pedido para criarem novos cadeados. Eu acho um paradoxo insolúvel... Pelo menos até as pessoas realmente enxergarem o paradoxo.
Abs
Brontops Baruq
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