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terça-feira, 18 de novembro de 2008

Depois

Eu preciso de um remédio. Algo em comprimidos, ou injeções. Algo amargo e de efeito imediato. Eu preciso de um composto sem muitos efeitos colaterais. Não quero mais efeitos colaterais. Me dêem um remédio! Antibiótico, antitérmico, ansiolítico. Não tenho problemas com cirurgia e se for necessário remover a dor com maçarico eu me disponho. Vou aos médicos, os médicos me mandam aos sábios, os sábios me mandam às benzedeiras que me indicam aos xamãs. Os xamãs me colocam em suas cortinas de fumaça, olham meu animal de poder e percebem que ele está morto. Eu estou morto. Dói. Dói. Eu quero gritar, mas o grito não é possível, o rugido não é possível. Não tenho espírito, ele já correu da carne, da casa que pode a qualquer momento desabar. Peço florais, tratamentos pelas mãos, acumputura. Peço clemência, amigos, ouvidos. Peço e não obtenho respostas, não tenho como explicar o que me trouxe essa dor, profunda, cortante, feita de vidro e ácido. Frescura, oração, desilusão, vírus. Tudo pode ser. De qualquer lado pode ter vindo e grudado em mim como um chiclete gruda no cabelo. Tem que cortar fora. Não adianta lavar. Eu não agüento mais os gemidos, eles são de deixar os nervos tolos. E não agüento mais chorar porque as lágrimas não são minhas, são da dor. Ela chora. Ela chora por estar grudada a este corpo que não lhe oferece mais nada. Por não ter identidade. Eu como parasita suguei sua vida, sua vontade de doer. Sofrendo de simbiose ela chora. Eu sinto que a dor já não pode ser dividida de mim. Não sou eu e a dor. Somos nós. Ou só eu. Não podemos mais obter a cura um do outro. A dor se contorce e pede alforria. Saudade de ser ela. Ela grita. Nós gritamos. A dor pede, implora, por um remédio.

6 comentários:

Tiago Bode disse...

A dor, o vício, o medo, eu mesmo, o medo, o parto, a angústia, eu mesmo, o vício no parto, eu mesmo na angústia, o parto do medo, a dor do vício, eu mesmo no mesmo.
O sonho não.




(Ele precisa de mais, mais do que um sozinho pode dar. Né mesmo, Raulzito?)

Marcia Barbieri disse...

Belo texto,descreves bem a angústia.Aliás, acho que a angústia é a matéria-prima do escritor.

beijos

Rachel de Oliveira // Rafael Andrietta disse...

Toma logo o remédio!

Muito bom, expressa perfeitamente a angústia, e todos os sentimento que deveras, nos ajuda a escrever!

Nanete Neves disse...

A dor da angústia. Ah! se fosse possível tirá-la de pinça. Como não é, só resta ao poeta expressá-la em palavras. Seu texto de tão bom, deu agonia.

Nando Z disse...

Oi um intruso no ninho rsrs
O que dói mais a dor da mente, ou a dor da gente???
tudo di bom!!

Claudio Brites disse...

Angústia é como a (arga)-massa de toda essa (psudo)literatura que sai da gente e da mente. Nando Z, você aqui é como um afago conhecido, um cheiro de bebida preferida!