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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Piada de pontinho

Ontem descobri que o meu inferno, caso ele exista, será feito de carrapatos. Pelas paredes da caverna e em mim, carrapatos gordos e acinzentados. Estou falando isso, porque ontem uma nuvem de carrapatos invadiu minha garagem, foram sufocando o rosa das paredes e quando demos conta já estavam parindo verruguinhas pretinhas por todos os lados. Minha mãe está viajando, ela é boa para resolver esse tipo de peste, ela resolve qualquer peste, é um tipo de médica curandeira dedetizadora, a síndica de nossas vidas. Eu tive que resolver só. Minha irmã montou barricadas e eu disse tome cuidado, o moço que vendeu esse veneno falou que esses meninos podem andar um quilômetro por dia. Minha casa não tem nem cinquenta metros, seria um estrago. Me armei de touca, luvas, máscara e botox. Iria fazer uma cirurgia de remoção na minha garagem. Toca fogo! Gritava meu avô. Juntou gente, juntou vizinho, aglomerou opinião e gritinhos de aflição. Parece que eles tão andando no meu cabelo. Tinha até gente tirando foto da empesteação, da matilha de bolinhas. Eles não riam pros flashes, encarapuçados com medo de mim e minhas luvas amarelas, minha touca de banho, meu botox diluído em água dentro do pulverizador amarelo do meu avô. E lá fui eu, silenciosamente suado. Foram caindo, pulando para cima de mim que desviava com todo o molejo do rebolaition matrix. Vai papai, vai papai! Percebi logo que tinha na empreitada um tropa de elite, as aranhas, em todos os cantos em que a vassoura não tinha dado conta delas as teias, fortes armações de metal eletrificado, tinham globinhos pendurados como uma árvores triste de natal. Decidi proibir o aracnicídio na minha casa. Depois de algum veneno nos olhos, nos meus e nos deles, estavam todos em cardume no balde de passar pano. Joguei fora a vassoura, joguei fora o pano, joguei fora as luvas e todo o resto. Quase arranquei as mãos, a pele, as paredes, os azulejos. Queria me livrar do cheiro daqueles carrapatos, mesmo sabendo que não adiantaria, que o cheiro sempre fica para nos lembrar do esforço. Ainda quando acordei um pequeno andava pelo quintal, tão só, talvez completando a terceira volta do seu quilômetro diário, em homenagem a todos os familiares perdidos, a nação dizimada. Até pensei em deixá-lo continuar seus passinhos ao sol, mas me lembrei daquela caverna, deles sugando meu sangue durante toda eternidade e pisei na bolinha que explodiu que nem biriba de São João. E a cachorra, dona dos bichos ainda vaga pela rua, procurando o próximo porto. Mãe, volta logo.

7 comentários:

Unknown disse...

Nem me lembre desses momentos tão horripilantes, sinto eles andando na minha cabeça (e olha que nem tive essa experiência pra saber, mãe voltaaaaa sua neta a espera.

Claudio Brites disse...

volta antes que os carrapatos levem a casa embora... hi hi

Kizzy Ysatis disse...

Que horror. Medo. :0

Renato Brandão disse...

Como sempre, Claudio, um texto fantástico.

Quando o olhei, até assustei! Que coisa mais Saramaguista escrever tudo junto, tudo correndo, tudo num fôlego só! E é assim que deve ser lido.

E como alguns cheiros, a imagem deste texto corrido fica na lembrança pra nos lembrar do esforço da leitura e de quão recompensante este o é.

Parabéns.

www.ascronicasnoturnas.blogspot.com

Brontops Baruq disse...

Muito bom.

Segue aqui um vídeo com uma série de pontinhos, que estava vendo agora neste momento por coincidência.

http://www.youtube.com/watch?v=S5R63L75Zyw&feature=player_embedded

(o vídeo procura representar o surgimento (ou não) de ideias em nossa cabeça)

Claudio Brites disse...

Renato, que boa essa visão, realmente a pressa embebeu tudo aí.

Bronts, meu caro, que vídeo perfeito. Valeu pela contribuição.

Tiago Bode disse...

olha que quase me mijei inteiro de tanto que ri! rebolationa matrix é foda! kkkk